quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Entrevista com
Tomás Silva*

“Tentei em cada ano melhorar o processo e aprender mais, o que foi muito estimulante”


POR MADALENA SILVA



Tomás Silva

Observando (O) – Quer começar por apresentar-se?
Tomás Silva (TS) – Viva! Querer, não quero, visto que as entrevistas carecem de reciprocidade. Mas vou tentar resumir. Apesar de ter nascido em Coimbra, sou oriundo de uma família rural de Trevões, concelho de S. João da Pesqueira (Alto Douro), onde vivi uma infância feliz, junto com mais quatro irmãos. Estudei desde os 10 anos num colégio de jesuítas, em Santo Tirso, e, posteriormente, no Porto, onde me matriculei na Escola de Belas-artes. Em 1972, fui recrutado para o serviço militar, o que incluiu um ano em cenário de guerra. Em 1976, ingressei na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Trabalhei em Mirandela, onde vivi cerca de oito anos, até ter iniciado os 22 anos de atividade de docente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), de onde saí há pouco tempo. Com 60 anos, faço um bom balanço da minha pacata vida, pois tive oportunidade de viver quase sempre segundo os meus próprios caprichos.

O – Por que decidiu licenciar-se em Economia?
TS – Pois… Fui atrás de uma namorada! Abandonei os estudos de Arquitetura, em 1976, quer porque nesse ano letivo as coisas não corriam bem na Escola, quer porque quis ir do Porto para Coimbra, onde não havia Arquitetura. Fui ver os planos de estudos de vários cursos e decidi estudar Economia, com a aliciante de ser uma Faculdade acabada de criar. Os anos de Coimbra foram decisivos para o meu crescimento do ponto de vista humano e cultural e devo muito aos amigos que lá fiz. Entretanto, a namorada tinha desaparecido e conheci a mulher com quem casei. 

O – Sendo de Coimbra, por que se mudou para Vila Real?
TS – Trabalhava e vivia em Mirandela. A minha esposa foi convidada a vir trabalhar para Vila Real e, em menos de um mês, eu tive a sorte de arranjar trabalho na UTAD.


Docência 

O – Foi docente na UTAD, em Vila Real, durante 22 anos, de novembro de 1989 a novembro de 2011. Gosta de ensinar?
TS – Ainda estou a digerir a minha experiência de docente. Basicamente, constituiu uma fonte de autoestima, pelo facto ou pela ilusão de ser útil aos clientes-estudantes, e um desafio constante na medida em que os resultados ficavam sempre aquém do que acreditava ser possível alcançar. Ainda que de forma muito solitária, tentei em cada ano melhorar o processo e aprender mais, o que foi muito estimulante. Também lecionei uma grande variedade de matérias, o que contribuiu para me cultivar. Portanto, a resposta é sim.

O – Tem uma visão da forma de ensino um pouco diferente do comum. Em que se inspira?
TS – Sempre achei que o resultado de passarmos quase 20 anos na Escola é incrivelmente diminuto face ao que imagino ser possível aprender nesse intervalo de tempo, e experimentei, como docente – acontece a todos os docentes sérios – o meu próprio insucesso a lidar com esse problema. Descobri, aos poucos, que há muito conhecimento acumulado, mesmo que controverso, sobre a questão da aprendizagem, em contraste com o facto de a docência universitária ser das poucas profissões que se pode exercer sem perceber nada do assunto – supõe-se que basta conhecimento sobre os conteúdos a lecionar. O resultado é que se ensina basicamente como se foi ensinado, isto é, como há 100 anos atrás, só que com ‘power-point’ em vez de giz. Esta descoberta mostrou-me que outras pessoas tinham passado por angústias semelhantes e havia experiências muito diversas, em alternativa à prática dos professores centrarem o ensino no seu próprio desempenho oratório, como reconhece Bolonha, e acreditarem na transmissão de conhecimento. Tudo somado implica que o papel do docente tenha de ser o de cativar o estudante para aprender e simultaneamente apoiar o processo dessa aprendizagem. Parece simples, não? Mas não é. Isto é algo muito difícil de fazer. 

O – Quer falar-nos sobre a "Zona de Desenvolvimento Proximal" (ZDP)?
TS – Embora não seja esta a definição exata, o conceito é muito simples: só se pode aprender na vizinhança daquilo que já se sabe. Bento de Jesus Caraça, matemático e pedagogo português, afirmava mais ou menos o seguinte: apresentamos aos estudantes os resultados compilados e esquematizados da Ciência, esquecendo o caminho que foi necessário para lá chegar e, desse modo, impede-se os estudantes de fazerem o percurso necessário para compreender esses resultados.

O – Usar ou não usar a Wikipédia?
TS – Usar, claro. A Wikipédia é muito dinâmica, rica e acessível, mas tem de ser tratada como qualquer outra fonte, isto é, deve ser confrontada com outras e as fontes primárias devem sempre ser verificadas. Passa-se o mesmo com os livros e as revistas, mesmo quando se trata de uma editora reputada. Aliás, os mecanismos de (auto)controlo da Wikipédia até são, em geral, mais rápidos e robustos. Sei que muitos docentes proíbem ou desaconselham o uso da Wikipédia, mas isso deve-se ao facto de se limitarem a reproduzir uma ideia feita (socializada) acerca da Wikipédia, sem que se tenham realmente informado e de forma aprofundada sobre o assunto. Não paro de me surpreender com o facto de pessoas treinadas para ser cuidadosas num domínio específico se comportarem com o mais banal senso comum fora desse domínio. 

O – Qual é o feedback que tem dos seus alunos em relação ao método de ensino aplicado nas suas aulas?
TS – Em geral, pelos comentários que livremente escreveram ao longo dos últimos anos, os estudantes apreciaram a autonomia de aprendizagem, quer quanto a uma certa liberdade de escolher os temas a aprofundar, quer quanto ao ritmo e ao modo de o fazerem. Mas, talvez mais importante do que isso, foi o facto de não lhes pregar secas falantes!

O – De entre todas as tarefas inerentes à docência, qual é a que mais lhe agrada? E a que menos lhe agrada?
TS – O que mais gostei foi tornar os enunciados académicos acessíveis e próximos da realidade quotidiana, no trabalho de tutoria na sala de aula. O que menos me agradou foi sempre a avaliação burocrática do desempenho dos estudantes. 

O – Qual foi a situação mais agradável que viveu até hoje no seu local de trabalho? E a menos agradável?
TS – É difícil identificar situações específicas. Confesso que sinto alguma frustração com a prepotência, falta de diálogo e a ignorância da ignorância que ocorrem em algumas situações. Pelo lado bom, foi sempre muito gratificante ouvir estudantes dizer-me que tinham passado a gostar de um assunto a partir das aulas.

O – O que está bem e mal no Ensino?
TS – O que está bem no ensino é o acesso, ainda que seja necessário aumentar muito mais a proporção de jovens que estudam. O que está mal é o insucesso, traduzido ou não no abandono. Em geral, não se gosta do que se faz na Escola/Universidade e mesmo que o Ministro atual diga que o caminho passa pelo esforço, eu acho que seria melhor se passasse pelo prazer.

O – Gostaria de mudar alguma coisa no Ensino?
TS – Sim. Se tiver que escolher, escolho duas coisas: mudar a vida nas escolas/universidades, para que desejemos passar lá o dia inteiro e substituir o ensino disciplinar pelo ensino por projeto, no qual a motivação poderia ser melhorada, a criatividade poderia ser explorada e os docentes poderiam aprender novos papéis. 

O – Que mensagem gostaria de deixar a todos aqueles que já foram seus alunos?
TS – Hum… Em primeiro lugar, agradeço a boa vontade que tiveram em frequentar livremente as minhas aulas e, em segundo lugar, que me adicionem no Facebook!


Outros interesses e projetos futuros

O – Para além do Ensino, tem um grande interesse pela Gestão. Quer contar-nos porquê?
TS – Quase todos trabalham enquadrados por organizações e as organizações são em geral um lugar péssimo para trabalhar (para roubar uma ideia a Gary Hamel). Isso contraria-me.

O – É Assistente de Investigação no Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), desde 25 de janeiro de 2007. Queres falar-nos da sua colaboração nesta instituição?
TS – Essa pergunta não me deixa confortável. Sonhei que o CETRAD seria uma comunidade de aprendizagem e de serviço. Fui ingénuo: apesar das exceções, há, na investigação, o dogma da produtividade, o qual se sobrepõe ao benefício social, interno e externo. Produtividade individual, pois mesmo a produtividade coletiva é vista como o somatório da outra, e, ainda, medida segundo critérios endógenos à profissão. Aprendi o que pode significar a transdisciplinaridade, para me dar conta que tudo continua “cada macaco no seu galho”, pois cada problema de investigação é formulado a partir do pesquisador; não do ator social. Procurei contribuir no âmbito das formas de organizar o trabalho e na implementação da noção de rede, para flexibilizar as fronteiras do Centro, sem grande sucesso, diga-se. Coordenei dois projetos e participei em mais dois, integrei a organização de dois dos maiores eventos e construí a base de dados, que é a montra online do Centro. Devo acrescentar que não me doutorei, seio-o hoje, pelo desencanto que sinto pela investigação tal como é exercida. Felizmente, ao contrário de mim, a maioria dos colegas aceita fazer esse sacrifício em prol da carreira.   

O – Quais são os seus projetos para o futuro, em termos profissionais?
TS – Nos próximos tempos, pretendo ser desempregado e aproveitar para tratar de assuntos familiares pendentes. Ao mesmo tempo, vou procurar lançar bases para rentabilizar a minha experiência pedagógica, em moldes que não desejo explicitar por enquanto. Por fim, pretendo estudar a viabilidade de um projeto no âmbito do turismo e da animação comunitária. Portanto, sei onde me ocupar num horizonte de pelo menos meio ano, altura em que reavaliarei a situação. 


“Para a desbunda, Quentin Tarantino”

O – O que gosta de fazer nos seus tempos livres?
TS – Tenho a felicidade de me dedicar a coisas que em geral gosto de fazer, de modo que não tenho muito a noção do tempo que é livre e do que não é. Mas posso dizer que sou um pouco compulsivo no que diz respeito a aprender acerca de uma grande variedade de temas: da sociedade e dos comportamentos, da tecnologia, da gestão, da comunicação, etc. Além disso, gosto de ouvir jazz, cozinhar e pintar, passear de moto e… de uma boa conversa pela madrugada dentro, sem dúvida.

O – Como surgiu o gosto pelas motos?
TS – Gosto de coisas que exigem perícia. Aos 20 anos, habilitei-me a conduzir carros, motos e pequenos aviões. Mas só esporadicamente conduzi motos. Há cerca de cinco anos, tive saudades e troquei o carro por uma Vespa, passando a andar com mais economia e com menos problemas de trânsito e de falta de estacionamento. 

O – O que gosta de ler?
TS – Atualmente, gosto de ler dois tipos de livros: os que me ensinam e os que me distraem. Entre os primeiros, leio acerca de ciências sociais, gestão, comunicação e ciências do comportamento. Entre os segundos, gosto de policiais, ficção científica e banda desenhada, mas neste caso é cada vez menos frequente lê-los. Em tempos, houve livros, da Filosofia à Literatura, que foram importantes, e talvez o mais importante de todos tenha sido um autor pouco conhecido, chamado Georges Bataille. Também leio muito na Internet, sobretudo divulgação científica e técnica, visto que sou bastante ignorante acerca de imensas coisas, e notícias, para estar a par do contexto.

O – Qual é o tipo de música que gosta de ouvir?
TS – Música portuguesa, incluindo o Fado, e ‘world music’, para o sentimento. Jazz e música erudita contemporâneos, para o intelecto. Tenho uma coleção muito razoável e horas de audição que dariam para grandes conversas!

O – Qual é o tipo de filme que gosta de ver?
TS – O único realizador que me faz sorrir é o Jacques Tati, no qual vejo uma ironia subtil. Em relação a alguns outros filmes, consigo lembrar-me deles, porque tratam da transcendência, como o “Feliz Natal, Mr. Lawrence”, de Nagisa Oshima, e mais uns quantos. Outros porque são frescos, como os de Almodôvar, ou obsessivos como os de Tim Burton e Clint Eastwood. Tecnicamente, Stanley Kubrick. Para a desbunda, Quentin Tarantino. E por aí fora...

O – Gosta de televisão? Quais são os seus programas favoritos?
TS – Os noticiários, depois os documentários e por fim os filmes de ação, que são ótimos para adormecer no sofá!

O – Tem algum atleta preferido?
TS – Não. Sou um bocado analfabeto em matéria de competições desportivas.

O – Qual foi o melhor momento da sua vida?
TS – Suponho que quando respirei pela primeira vez.

O – Qual foi o momento mais triste da sua vida?
TS – Todos aqueles, creio, em que tentei recordar a minha mãe. Morreu quando eu era muito jovem.

O – O que mais aprecia numa pessoa?
TS – Serenidade e solidariedade. Não é o meu caso, porque sou pouco solidário.

O – E o que menos aprecia numa pessoa?
TS – Egocentrismo e conversa fiada. Também não é o meu caso.

O – Como se descreve a si próprio?
TS – “Qualquer coisa é possível, tudo é negociável” é uma frase que roubei a uma descrição do perfil “INTJ”, na classificação “MBTI” (‘Myers-Briggs Type Indicator’) – uma tipologia, no contexto dos estudos de personalidade. Em geral, vejo-me mais espectador do que ator, no sentido ‘Wu Wei’ do Taoísmo, e não sou competente no que diz respeito aos afetos.

O – É feliz?
TS – Muito feliz.

* Nome fictício.

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